Por que o que a JK Rowling disse é transfôbico
Essa é uma tradução do meu artigo original em inglês por Thomaz Aragão.
Sexo é real. Eu sou uma mulher trans que conhece centenas de pessoas trans além de ser muito ativa na comunidade. Eu nunca escutei nenhuma pessoa trans ou qualquer especialista dizer ou até insinuar o contrário, nenhuma vez. Comparados com a maioria, pessoas trans são muitas vezes mais profundamente cientes de características sexuais, tendo frequentemente passado suas vidas inteiras lidando com a disforia causada por quaisquer uma das suas e por ver como outros reagem a elas. Eu, e quase toda pessoa trans com quem já conversei, teve de ensinar como nossa biologia funciona para os médicos e enfermeiras que não são especialistas para conseguir acesso a tratamentos básicos. Muitas vezes uma das principais coisas que pessoas trans querem para o mundo é melhor compreensão de corpos trans e de biologia.
Mas então porque ela disse aquilo? Por qualquer um fala isso? Esse é um discurso retórico muito comum da “Crítica de Gênero” (leia-se anti-trans). É uma tentativa de criar uma falsa dicotomia entre apoiar direitos trans ou simplesmente concordar com o campo inteiro da biologia. O argumento é “Se chamarmos mulheres trans de mulheres, então não conseguimos discutir sexismo contra mulheres ou sexualidade”, mas a verdade é exatamente o contrário. Mulheres trans enfrentam sexismo misógino e violência sexual por serem mulheres todos os dias. Lésbicas trans enfrentam homofobia/lesbofobia cotidiana e estrutural em todo o mundo. Estes são dois fatos observáveis. Afinal, um abusador sexista pede sua certidão de nascimento antes de te assediar? Não. Se não podemos descrever a realidade, como vamos abordar estes problemas?
Isso tudo gira em torno do desejo de rotular mulheres trans como homens, justificando a retirada de direitos elas têm hoje. Mulheres trans usam espaços para mulheres no Reino Unido — onde eu e JK Rowling vivemos — por mais tempo que qualquer uma de nós esteve viva, e o fazem com proteção legal por mais de uma década (antes disso não haviam leis sobre isso e nunca foi ilegal). Algumas pessoas acabaram de aprender o que é uma pessoa trans desde o aumento da visibilidade trans na mídia, e simplesmente não gostaram.
Se aqueles que se opõe aos direitos trans simplesmente dissessem “nós queremos tirar os direitos e liberdades de pessoas trans” soaria tão hediondo quanto realmente é, então assim como com o “Realismo de Raça” o objetivo é achar algo na biologia para o qual possam apontar e dizer “Viu? Eu não sou transfóbico, é só o que a ciência diz”. E é muito mais fácil convencer pessoas do seu caso se aparenta que você não está expressando uma opinião, mas estão na verdade só “dizendo a verdade”. O argumento mais comum que você vai ver por ai é “mulheres trans não podem ser mulheres porque elas têm cromossomos XY”, “tem os gametas errados” ou simplesmente “se você nasceu com um pênis, você é um homem.” Primeiramente, não é como se qualquer uma destas coisas fosse justificativa para tirar as proteções legais e liberdades de alguém, seus cromossomos não te protegem de assédio sexual misógino, não obstante, isso é cientificamente errado. Não existe qualquer traço único que todas as mulheres cis (cis quer dizer não-trans) tem e as mulheres trans não. Sexo não é simplesmente uma caixinha M/F que está marcada em algum lugar do seu DNA, é um conjunto de características extremamente complexo que pode ter todo tipo de variação e significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Provavelmente não demora mais de 30 segundos no Google para achar um conjunto claro de contra-exemplo para qualquer definição estrita que tentem lhe dar.
Pessoas trans, pessoas intersex, feministas, profissionais da saúde e especialistas por todo o mundo não estão dizendo “sexo não é real”, eles na verdade dizem “sexo é mais complicado do que te ensinaram na escola” e isso é um fato. Sexo é real, e como toda a biologia, é incrivelmente complicado. Também é dito que “sexo e sexismo é mais complicado que XY = privilégio”. Sexismo misógino é muito real e affeta metade do planeta. Nós precisamos conseguir falar sobre isso, e precisamos das palavras para fazê-lo. Qualquer tentativa de definir uma mulher de forma que exclua mulheres trans e intersex não é somente fútil, mas também inerentemente malicioso. Isso não advém de provas e compreensão científicas, nem da vontade de acabar com o sexismo, é na verdade, uma tentativa de justificar ad hoc para a premissa “mulheres trans são homens” Mulheres trans serem mulheres é a conclusão das provas, não a premissa. Por favor, não caia nessa.
Insistir que tratemos sexo como um binário imutável com base em características invisíveis retira a capacidade de muitos de discutir suas vidas de forma significativa.
Feliz mês do Orgulho LGBT+ 🏳️🌈